alma

oh, como eles se preocupam com minha
alma!
recebo cartas
o telefone toca...
"você vai ficar bem?"
perguntam.
"ficarei bem", eu lhes digo.
"já vi tantos se afundarem na sarjeta",
eles me dizem.
"não se preocupem comigo", digo.

ainda assim me deixam nervoso.
entro e tomo uma chuveirada
saio e espremo uma espinha do
nariz.
então vou até a cozinha e preparo
um sanduíche de salame e presunto.
eu costumava viver de doces baratos.
agora tenho mostarda alemã importada
para passar no sanduíche. devo estar em perigo
por causa disso.

o telefone segue tocando e as cartas seguem
chegando.

se você vive dentro de um ármario na companhia de ratos
e come pão velho
eles gostam de você.
você passa a ser um
gênio.

ou se está num manicômio ou
detido numa delegacia
eles o chamam de gênio.

ou se você está bêbado e não pára de gritar
obscenidades
vomitando as tripas no
chão
você é um gênio.

mas experimente pagar o aluguel um mês
adiantado
vestir um novo par de meias
ir ao dentista
fazer amor com uma garota limpa e saudável
em vez de pegar um puta
e você vendeu sua
alma.

não estou minimamente interessado em perguntar como
vão suas almas.
suponho que era o que eu deveria
fazer.

para Al...

não se preocupe com rejeições, parceiro,
eu já fui rejeitado
antes.

algumas vezes você comete um erro, pegando
o poema errado
o mais comum para mim é cometer o erro de
escrevê-lo.

mas eu gosto de uma montaria em cada corrida
mesmo que o homem
que organiza a largada da manhã

a coloque pagando 30 por um.

tenho que pensar na morte mais e mais

senilidade

muletas

poltronas

escrevendo poesia púrpura com a
caneta pingando

quando mocinhas com bocas
de piranha
corpos como limoeiros
corpos como nuvens
corpos como flashes de luz
pararem de bater à minha porta.

não se preocupe com rejeições, parceiro.

fumei 25 cigarros esta noite
e você sabe sobre a cerveja.

o telefone tocou apenas uma vez:
era engano.