no continente

eu sou frouxo. eu
sonho também.
me deixo sonhar. sonho em
ser famoso. sonho em
caminhar nas ruas de Londres e
Paris. sonho em
sentar em cafés
bebendo vinhos caros e
pegando um táxi de volta a um bom
hotel.
sonho em
conhecer lindas mulheres no saguão
e
dispensá-las porque
tenho um soneto em mente que
quero escrever
antes do nascer do sol. quando o sol nascer
estarei dormindo e haverá um
gato estranho enrolado
no parapeito da janela.

penso que todos nos sentimos assim
de vez em quando.
eu gostaria mesmo de visitar
Andernatch, na Alemanha, o lugar onde
comecei. depois gostaria de
voar até Moscou para checar
o sistema de transporte coletivo assim
teria alguma coisa levemente obscena para
sussurrar no ouvido do prefeito de
Los Angeles quando retornasse para este
lugar fodido.

poderia acontecer.
estou pronto.
já vi lesmas escalarem
paredes de três mestros de altura e
desaparecerem.

você não deve confundir isto com
ambição.
eu seria capaz de rir ao receber
uma mão perfeita nas cartas -

e não esquecerei de você.
vou lhe mandar cartões-postais e
instantâneos, e o
soneto acabado.

aprisionado

no inverno caminhando em meu
teto meus olhos do tamanho de luzes de
poste. tenho quatro patas como um rato mas
lavo minhas roupas íntimas - barbeado e
de ressaca e de pau duro e sem advogado.
tenho cara de esfregão. canto
canções de amor e carrego aço.

preferia morrer a chorar. não suporto
a matilha não posso viver sem ela.
inclino minha cabeça contra o refrigerador
branco e quero gritar como
o último lamento de vida para todo sempre mas
sou maior do que as montanhas.

o humilde herdou

se eu sofro assim diante dessa
máquina de escrever
pense em como eu me sentiria
entre os colhedores
da alface em Salinas?

penso nos homens
que conheci nas
fábricas
sem qualquer chance de
escapar -
sufocados enquanto vivem
sufocados enquanto riem
de Bob Hope ou Lucille
Ball enquanto
2 ou 3 crianças jogam
bolas de tênis contra
as paredes.

alguns suicídios jamais são
registrados.